Não pertenço nem mesmo à cidade onde nasci. Em Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro, no Brasil, passei os 3 ou 4 primeiros dias de vida. Voltei à cidade, a passeio, com mais de 30. E nunca mais.
Muitos não-pertencimentos me fazem companhia.
A literatura, sempre.
O primeiro, que a gente nunca esquece, foi Camus. Logo em seguida veio Barthes. Enquanto eu via o autor morrer, lembrava do meu primeiro amor. Hoje, mamãe morreu.
Sei de cor o poema do Mário de Sá Carneiro desde criança. Não sou eu, nem sou o outro. Sou qualquer coisa de intermédio, Pilar da ponte do tédio, Que vai de mim para o outro. Carrego, etimologicamente, no coração.
João Cabral de Melo Neto guiou o meu primeiro pós-doutoramento (PUC-RS, 2022). O segui, também trôpega, sem forças e sem rumo, pelo Capibaribe. Mais um deslocamento.
A companhia mais recente, Ernaux. Os franceses me dão suporte desde os tempos do colégio. Eu, menina de todo, e a imensidão que me parecia ser naquele momento a biblioteca do Liceu Franco-Brasileiro, no Largo do Machado (Rio de Janeiro).
Gosto de viajar porque ser estrangeira me fornece o álibi que preciso para o olhar perdido que é sempre meu, em qualquer lugar. Deslocamentos meus, da literatura, da arte, do pensamento. Sempre um pouco fora de sintonia. Desafinada.
Essa série e esse livro de artista são, simultaneamente, causa e efeito do meu segundo pós‑doutoramento (Sorbonne, 2025).
Primeiro, naturalmente, veio o sentimento de estranhamento, de um estar-no-mundo quebrado, minha vida toda. Difícil dizer quem veio depois: texto ou imagem; pensamento ou produção; poética ou estética.
Os cadernos de viagem são monotipias em gel, com algumas intervenções a nanquim, a partir de fotografias minhas, de viagem, com correções digitais. São pequenas, como se fossem arrancadas de um caderno de desenho. Ou de viagem. É tanta camada que o local acaba se desgrudando da imagem.
Tanto faz onde são.
Não pertencem.
Nem a si próprias e nem a mim.